quinta-feira, março 04, 2010

O Dragão da Leopoldina



Muito antes da Lesga, havia a Liesga, que reunia todas as Escolas de Samba dos Grupos de Acesso. Era comandada pelo ex-deputado federal Paulo de Almeida, que também presidia a Liesa. Atualmente, Paulo preside a Caprichosos de Pilares.

A Liesga usava o auditório da Liesa para fazer as suas reuniões também. Foi lá que recebeu mais de 50 presidentes para colocar sob apreciação os currículos de pessoas indicadas a compor os quadros de julgadores dos desfiles dos cinco grupos do Acesso. O próprio Paulo lia o currículo dos indicados e, ao final, perguntava ao plenário: “Alguém tem alguma coisa a opor?”

A leitura prosseguia normalmente, até que surgiu o vasto currículo de um jovem designado para julgar Alegorias e Adereços, enumerando uma diversificada atuação no campo das artes e da arquitetura; citava também a autoria de um grande número de projetos culturais e um profundo interesse pelas coisas do samba. E, em seguida, a pergunta do presidente:

- Alguém tem alguma coisa a opor?

Um braço foi erguido no meio da multidão. Era o velho Salustiano, presidente da Independentes de Cordovil, o Dragão da Leopoldina. Com a sinceridade que lhe era peculiar, deu o seu veto:

- Um cara que já fez tudo isso com apenas 24 anos não pode ser confiável. Deve ser um tremendo 171. Barra ele.

E o rapaz foi vetado mesmo.


ATENÇÃO! É proibida a reprodução do texto – no todo ou em parte – sem a autorização do autor.

terça-feira, março 02, 2010

Marinheiro de primeira viagem


A Beija-Flor de Joãosinho Trinta começava a fazer sucesso no Carnaval Carioca e não tardou a receber convites para se apresentar na Europa. O mestre-sala Élcio PV não pode viajar a Paris e foi substituído pelo segundo, Luís, um novato em viagens de avião.

Ao ver os passageiros da frente serem servidos com campari, Luís ficou com a boca cheia d´água. E chamou a aeromoça:

- Garçonete?

A aeromoça ficou um pouco constrangida, mas fingiu que não percebeu:

- Pois não?

Luís apontou para o campari nos copos dos vizinhos:

- Também quero refresco de groselha.

A aeromoça explicou que era campari, uma bebida alcoólica. Mas o Luís queria saciar a vontade e pediu o aperitivo assim mesmo. Minutos depois, preparando-se para saborear a bebida, chamou a jovem, novamente:

- Garçonete?

Ela, sem graça:

- Deseja mais alguma coisa?

- Sim. Preciso que você troque o canudinho de vidro. Esse que você me deu está entupido.

A aeromoça acabou perdendo a paciência com o mestre-sala:

- Isso é para mexer o gelo, ô!


ATENÇÃO! É proibida a reprodução do texto - no todo ou em parte - sem autorização do autor.

sexta-feira, maio 22, 2009

Ciúmes do Roberto


O azar do Bibiu (ex-presidente de ala da Portela) foi ter-se apaixonado por uma fã do Roberto Carlos. Ele era um mulato alto, cabelo black; e ela, filha de alemães, era uma loura de olhos verdes, que vagavam perigosamente pelo infinito quando ouvia as canções do Rei.

Um dia, para desespero do Bibiu, a loura saiu para assistir a um show do Roberto. O mulato, então, resolveu apelar. Misturou colorau, erva doce, orégano, água e sal, virou o copo e, maquiavelicamente, espalhou a solução macabra na penteadeira. Parecia formicida.

Foi o que a loura imaginou quando chegou em casa, horas depois. E teve certeza imediata do “suicídio” quando viu Bibiu, estirado na cama, fingindo-se de morto. 

Entrou em parafuso, chorou e se disse arrependida por aquele vacilo momentâneo. 

Bibiu, então, abriu os olhos, deu um largo sorriso e disse, emocionado:

- Você me ama!



Copyright Cláudio Vieira – 2009

Proibida a reprodução – no todo ou em parte do texto – sem a autorização do autor.


quarta-feira, maio 20, 2009

Lendas e mistérios de um clássico

Portela 1970: Lendas e Mistérios da Amazônia

Lendas e mistérios não são privilégios da Amazônia. O samba que levou a Portela ao título de 1970 e é considerado um dos mais bonitos de sua história, também carrega uma boa dose de folclore. Dois de seus três autores já morreram: Sebastião Vitorino Teixeira dos Santos, o Catoni, e Waltenir . O trio venceu mais dois concursos de sambas-enredos na Águia: em 1967, com Tal dia é o batizado; e, em 1977, com Festa da Aclamação.

O único remanescente do grupo é o taxista aposentado Dinckel Martins, o Jabolô. Revela que, apesar das diversas regravações, jamais ganhara um centavo com o samba da Amazônia. “O que pingou, dei pro Catoni. Naquela época, ele estava em dificuldades. Assinei uma procuração e deixei minha parte pra ele. Se ajudou em alguma coisa, não sei.” – comenta. 

Jabolô não esconde que Catoni era o mais inspirado da parceria; Waltenir colaborava mais nos ajustes. Depois de receberem a sinopse do enredo criado por Clóvis Bornay e Arnaldo Pederneiras, os três compositores fizeram diversos encontros na residência do taxista, em Irajá. Outras aconteceram no bar Salada Tropical, em frente à estação de Madureira, e outras mais no Aero Willys com o qual Jabolô trabalhava na praça. “Dos três, a  situação menos ruim era a minha; já que os dois parceiros estavam desempregados...” – lembra.

Naquela época, não havia patrocinadores para financiar prospectos. Jabolô teve que fazer extras no volante para conseguir a verba dos panfletos: “Eu atravessava um qualquer para um amigo que trabalhava na gráfica da Prefeitura. Ele confeccionava os papéis lá dentro e, no final das contas, ficava bem barato. Rodou mais de 40 mil letras do samba...” – confessa sobre o apoio involuntário da municipalidade.

Catoni vivia mais em Jacarepaguá, onde morava, do que em Madureira. Fez do poeta Joaquim Domingues, também já falecido, o seu mentor. Joaquim era dono de uma funerária no Largo do Tanque. Nos fundos da loja, no silêncio dos caixões, recebia o discípulo para analisar os progressos de Lendas e Mistérios da Amazônia

O jornalista Leo Montenegro (falecido em julho de 2003), autor da coluna O Avesso da Vida, em O Dia, testemunhou diversos encontros entre Catoni e Joaquim – que dedicava o seu talento aos sambas de empolgação para o bloco Bafo de Bode, ali das redondezas. Leo era amigo dos dois sambistas e também residia em Jacarepaguá, na Freguesia.

Num desses convescotes, regados a cerveja, é claro, o portelense Leo também teve a oportunidade de dar a sua contribuição. Conta que os autores estavam aflitos com um buraco que havia entre as primeira e segunda estrofes. O intervalo poderia gerar o atravessamento do samba. O jornalista, então, recorreu a um macete de redação, sugerindo que fizessem um encadeamento entre as duas partes, usando a expressão “E dizem mais...” O intervalo foi preenchido sem que a poesia da letra perdesse a fluência. Era o toque que faltava.

Pois então, cantemos...


Nesta avenida colorida
A Portela faz carnaval

Lendas e mistérios da Amazônia
Cantamos neste samba original
Dizem que os astros se amaram
E não puderam se casar
A lua apaixonada chorou tanto
Que do seu pranto nasceu o Rio-Mar


E dizem mais
Jaçanã
Bela como uma flor
Certa manhã viu ser proibido o seu amor
Pois um valente guerreiro
Por ela se apaixonou
Foi sacrificado pela ira do Pajé
E na Vitória-Régia
Ela se transformou
Quando chegava a primavera
A estação das flores
Havia uma festa de amores
Era a tradição das amazonas
Mulheres guerreiras
Aquele ambiente de alegria
Terminava ao raiar do dia


Ô esquindô lá lá
Ô esquindô lê lê
Olha só quem vem lá
É o Saci Pererê


Copyright Cláudio Vieira – 2009

Proibida a reprodução – no todo ou em parte do texto – sem a autorização do autor.


sábado, maio 16, 2009

O samba número 2


O episódio é recente e exige cautela – razão que nos leva a fantasiar nomes de personagens e lugares, a fim de evitar problemas ainda maiores ao protagonista desta insidiosa trama do destino.

Aconteceu com uma figurinha das mais conhecidas no mundo do samba, que, de repente, descobriu que também tinha o talento para compor sambas-enredos. Fez a quadrinha do refrão intermediário, passando a integrar a parceria que iria disputar o concurso de sambas-enredo de um bloco cuja quadra fica bem no alto de um morro da Zona Norte.

Quatorze sambas foram inscritos, mas apenas três ficaram para a finalíssima, marcada para uma agitada noite de sábado. E entre os finalistas estava o do nosso inspirado compositor – que, empolgado, fretou um frescão para transportar a sua fiel e animada torcida.

Naquela noite, o ônibus de luxo entalou no meio do caminho, já que a traseira arrastava na pirambeira, impedindo-o de avançar ladeira acima. Os torcedores tiveram que seguir a pé mesmo, como os do Grêmio (“Até a pé nós iremos…”). Foram escoltados pela turma do DPO, a pedido do ilustre visitante, que pediu proteção para os seus admiradores.

Já na quadra, o nosso inspirado compositor foi recebido por um mulatinho chamado Buiú – autor de outro samba concorrente -, que foi logo dando a dica:

- A gente sabe que o teu samba é o melhor dos três; mas fica de olho no primeiro. É um tremendo boi-com-abóbora, mas dizem que o Futoco está por trás.

- Futoco?! – estranhou o visitante:- Quem é Futoco?!

Buiú arregalou os olhos:

- Fala baixo… - e segredou:- Ele é o cara…

O inspirado compositor entendeu. E olhou desolado para a sua torcida, sabendo que  não havia muito a fazer.

Apesar de ter sido o melhor samba a se apresentar na quadra, o compositor estreante foi obrigado a entender quando o apresentador anunciou que a composição apoiada por Futoco era a grande vencedora da noite. Por unanimidade.

Buiú veio confortar o visitante:

- Você foi o campeão moral. Teu samba é bom pra caramba. Valeu!

Os visitantes tiveram que descer a pé até o asfalto, porque o motorista do frescão não era louco para ficar dando mole na boca do lobo. Deu no pé.


*     *     *

Na semana seguinte, o inspirado compositor recebeu um telefonema de Buiú, que perguntava, ansioso:

- Já tá sabendo?

- De quê? – o compositor respondeu com outra pergunta.

Buiú explicou:

- Quebraram o Futoco. E, diante das circunstâncias, a diretoria do bloco resolveu desclassificar o samba dele e fazer outra disputa no sábado.

Os olhos do novato brilharam:

- Outra disputa?!

- Sim, entre o teu samba e o meu. Mas, agora é mole pra vocês – sorriu.

Animado, o compositor estreante alugou outro frescão e, dessa vez, levou mais torcedores ainda.

O samba do visitante deu um show da quadra, com direito a foguetório e um variado repertório de paradinhas com a bateria de Mestre Chulé. A torcida, em coro, gritava:

- É campeão! É campeão! É campeão!

Mas, na hora de anunciar o resultado, mais uma vez o apresentador surpreendeu a todos. E declarou vencedor o samba assinado por Buiú.

O compositor estreante entrou em desespero. Recorreu ao próprio Buiú:

- Você foi o primeiro a reconhecer que o meu samba era o melhor. Por que fizeram isso comigo?! – indagou, quase chorando.

Buiú respirou fundo, estufou o peito e deu a notícia em primeira mão:

- Agora, eu sou o cara.


Copyright Cláudio Vieira - 2009
Proibida a reprodução do texto - no todo ou em parte - sem autorização do autor.

sexta-feira, maio 15, 2009

A Primeira Missa na Rio Branco


Tempos difíceis para a antiga Foliões de Botafogo, no início da década de 70, relegada ao terceiro e derradeiro grupo. Com o caixa baixo e sem nenhuma perspectiva de grana, a diretoria optou por um enredo barato: “A Primeira Missa no Brasil” – sentenciou o presidente, explicando o motivo: “Vem todo mundo de índio”. 

Mas até os índios estavam escassos. Diante do fracasso que se desenhava, ninguém se animava a desfilar. Os ensaios eram uma tristeza só.

Um dos diretores resolveu pedir socorro a um amigo da Zona Oeste, presidente de um bloco de Realengo – cuja tradição era carregar para as ruas do bairro centenas de foliões fantasiados de índios. Seria a salvação.

A direção da Foliões se comprometeu a enviar cinco ônibus a Realengo para trazer a tribo inteira. E assim foi. No dia e horário marcados, os ônibus encostavam na concentração da Rio Branco, trazendo uma legião de guerreiros suburbanos.

Eram centenas de apaches, bem ao estilo Velho Oeste, com roupas franjadas, tiras de esparadrapo no rosto e cada um com uma espingarda na mão.

*     *    *

Não ficou por aí. Cercando o encabulado Frei Henrique Soares, os apaches da Foliões também faziam uma estranha coreografia. Voltavam-se todos para a direita, levantavam o trabuco e bradavam a uma só voz:

- Uhhhh!

Depois, marchavam para o lado esquerdo, levantavam a espingarda e…

- Uhhhh!

Até que um dos diretores de harmonia, espumando de raiva, pagou geral:

- Que vocês não saibam a letra do samba eu até admito. Mas, vão vaiar o cacete!



Copyright Cláudio Vieira – 2009

Proibida a reprodução – no todo ou em parte do texto – sem a autorização do autor.


quarta-feira, maio 13, 2009

A luz divinal de Darcy

Treze de Maio é data solene e merece ser comemorada em alto nível. Fui lá no fundo do baú pegar uma matéria feita para o jornal O Dia, em 1994. Saudando Darcy da Mangueira, elevo o pensamento a todos os que nos ensinaram a amar o samba.

O hino estava mais do que pronto. Pelo menos, era o que parecia. Afinal, foram diversos almoços e jantares em Vila Kennedy, Zona Oeste do Rio, até que Darcy e seus parceiros, Luiz e Batista, concluíssem que a composição já pudesse participar da disputa na quadra da Estação Primeira.

Apesar de o samba que exaltava “O mundo encantado de Monteiro Lobato” já estar na 14ª versão, e da confiança dos parceiros, Darcy achava melhor esperar mais um pouco. Tinha a certeza que alguma coisa ainda podia ser melhorada. Mas, o quê? Ele mesmo não encontrava a resposta.

Como fazia diariamente, o taxista Darcy Fernandes Monteiro pegou o ônibus em direção ao Centro, onde tomaria uma segunda condução rumo à Rua Frei Caneca, no Estácio. Era lá que ficava a garagem da empresa em que trabalhava, no horário noturno, na diabólica bandeira dois.

Aquele final de tarde da primavera de 1968 parecia diferente dos outros. Passava das 17 horas e o céu, na linha do horizonte, apresentava um colorido especial. Nuvens mesclavam-se em diversos tons que oscilavam do vermelho, passando pelo laranja, até chegar no amarelo. Darcy ficou embevecido com o show da natureza. De repente, pegou-se cantarolando os primeiros versos do samba que ficaria para a posteridade e jogaria a versão anterior no lixo, definitivamente:

- Quando... uma luz divinal... iluminava a imaginação... de um escritor genial...

Extasiado com o pôr-do-sol, percebeu que os versos saíam naturalmente. Abriu a capanga, pegou papel e caneta, anotando tudo. Firmava a melodia a todo momento, para gravá-la na memória. Os passageiros que estavam à sua volta imaginaram que aquele escurinho não fosse uma pessoa normal.

- Naquela noite, não fui trabalhar. Parti direto para a Mangueira, para o Só Pára Quem Pode, o barzinho do Walter Policarpo, tio de Ivo Meireles. – lembra Darcy – Cantei a primeira estrofe para o Walter, que ficou empolgado. E anunciou: “Este vai ser o samba da Mangueira!” E pediu, quase implorando, que nós não mexêssemos em mais nada.

Em seguida, Darcy telefonou para os parceiros, convocando-os em caráter de urgência urgentíssima. O primeiro a chegar foi Luiz, que trabalhava ali, nas proximidades do Buraco Quente, na Superintendência de Transportes do Estado. Pouco depois, era o Batista, servidor da Aeronáutica. Os dois não acreditaram no que ouviram. O novo samba parecia infinitamente melhor do que o outro. Porém, ainda não estava perfeito.

- Ele começava em tom menor. Mas o Batista encontrou o caminho para chegarmos ao tom maior. E, aí sim, ficou justinho, na manha. – comenta Darcy.

Juntou gente. Enquanto a segunda parte era montada, Hélio Turco, misturado aos curiosos, deu algumas “palhetadas”. Por isso, Darcy achava justo incluir o seu nome aos dos três autores. Turco agradeceu, esnobando. Informou que o seu samba já estava pronto, em parceria com Zagaia.

Hélio Turco é o maior vencedor de sambas-enredos da Verde e Rosa. Mas, por mera vaidade, perdeu a chance de assinar o grande clássico da história mangueirense.

 

Em homenagem a Darcy, seus parceiros e ao Treze de Maio, cantemos:

Quando uma luz divinal

Iluminava a imaginação

De um escritor genial


Tudo era maravilha

Tudo era sedução

Quanta alegria

E fascinação


Relembro...
Aquele mundo encantado


Fantasiado de dourado


Oh! doce ilusão


Sublime relicário de criança


Que ainda guardo como herança


No meu coração





Glória a este grande sonhador


Que o mundo inteiro deslumbrou


Com suas obras imortais


Vejam quanta riqueza exuberante


Na escritura emocionante


Com seus contos triunfais


Com seus personagens fascinantes


Nas histórias tão vibrantes


Da literatura infantil


Enriquecem o cenário do Brasil



E assim...


E assim, neste cenário de real valor


Eis... o mundo encantado

Que Monteiro Lobato criou

 

Copyright Cláudio Vieira – 2009

Proibida a reprodução – no todo ou em parte do texto – sem a autorização do autor.