Lendas e mistérios não são privilégios da Amazônia. O samba que levou a Portela ao título de 1970 e é considerado um dos mais bonitos de sua história, também carrega uma boa dose de folclore. Dois de seus três autores já morreram: Sebastião Vitorino Teixeira dos Santos, o Catoni, e Waltenir . O trio venceu mais dois concursos de sambas-enredos na Águia: em 1967, com Tal dia é o batizado; e, em 1977, com Festa da Aclamação.
O único remanescente do grupo é o taxista aposentado Dinckel Martins, o Jabolô. Revela que, apesar das diversas regravações, jamais ganhara um centavo com o samba da Amazônia. “O que pingou, dei pro Catoni. Naquela época, ele estava em dificuldades. Assinei uma procuração e deixei minha parte pra ele. Se ajudou em alguma coisa, não sei.” – comenta.
Jabolô não esconde que Catoni era o mais inspirado da parceria; Waltenir colaborava mais nos ajustes. Depois de receberem a sinopse do enredo criado por Clóvis Bornay e Arnaldo Pederneiras, os três compositores fizeram diversos encontros na residência do taxista, em Irajá. Outras aconteceram no bar Salada Tropical, em frente à estação de Madureira, e outras mais no Aero Willys com o qual Jabolô trabalhava na praça. “Dos três, a situação menos ruim era a minha; já que os dois parceiros estavam desempregados...” – lembra.
Naquela época, não havia patrocinadores para financiar prospectos. Jabolô teve que fazer extras no volante para conseguir a verba dos panfletos: “Eu atravessava um qualquer para um amigo que trabalhava na gráfica da Prefeitura. Ele confeccionava os papéis lá dentro e, no final das contas, ficava bem barato. Rodou mais de 40 mil letras do samba...” – confessa sobre o apoio involuntário da municipalidade.
Catoni vivia mais em Jacarepaguá, onde morava, do que em Madureira. Fez do poeta Joaquim Domingues, também já falecido, o seu mentor. Joaquim era dono de uma funerária no Largo do Tanque. Nos fundos da loja, no silêncio dos caixões, recebia o discípulo para analisar os progressos de Lendas e Mistérios da Amazônia.
O jornalista Leo Montenegro (falecido em julho de 2003), autor da coluna O Avesso da Vida, em O Dia, testemunhou diversos encontros entre Catoni e Joaquim – que dedicava o seu talento aos sambas de empolgação para o bloco Bafo de Bode, ali das redondezas. Leo era amigo dos dois sambistas e também residia em Jacarepaguá, na Freguesia.
Num desses convescotes, regados a cerveja, é claro, o portelense Leo também teve a oportunidade de dar a sua contribuição. Conta que os autores estavam aflitos com um buraco que havia entre as primeira e segunda estrofes. O intervalo poderia gerar o atravessamento do samba. O jornalista, então, recorreu a um macete de redação, sugerindo que fizessem um encadeamento entre as duas partes, usando a expressão “E dizem mais...” O intervalo foi preenchido sem que a poesia da letra perdesse a fluência. Era o toque que faltava.
Pois então, cantemos...
Nesta avenida colorida
A Portela faz carnaval
Lendas e mistérios da Amazônia
Cantamos neste samba original
Dizem que os astros se amaram
E não puderam se casar
A lua apaixonada chorou tanto
Que do seu pranto nasceu o Rio-Mar
E dizem mais
Jaçanã
Bela como uma flor
Certa manhã viu ser proibido o seu amor
Pois um valente guerreiro
Por ela se apaixonou
Foi sacrificado pela ira do Pajé
E na Vitória-Régia
Ela se transformou
Quando chegava a primavera
A estação das flores
Havia uma festa de amores
Era a tradição das amazonas
Mulheres guerreiras
Aquele ambiente de alegria
Terminava ao raiar do dia
Ô esquindô lá lá
Ô esquindô lê lê
Olha só quem vem lá
É o Saci Pererê
Copyright Cláudio Vieira – 2009
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Um comentário:
Este samba-enredo é um dos mais belos da nossa Portela, estarei ai no Rio em 2010 para prestigiar nossa Escola do coração.
Também quero estar na quadra no momento da apuração, beijos a toda a familia Azul e branco.
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