quinta-feira, abril 30, 2009

Duelo de beldades


A Tradição estava na ponta dos cascos, chamando a atenção da mídia com as peripécias de Suzana Alves, a Tiazinha (foto), a nova rainha de bateria.

Na noite de apresentação de Tiazinha para a Imprensa, a quadra da Estrada Intendente Magalhães lotou. Entre os convidados lá estava o presidente do Império Serrano, Marquinhos dos Anéis, acompanhado da rainha de bateria da Serrinha, Thaís – uma jovem bastante alta e corpulenta.

E foi nos atributos da mulata que Marquinhos deixou escorrer o veneno que lhe consumia ao ver toda aquela movimentação na escola vizinha e rival. Disse para os jornalistas:

- Se a Tradição tem a Tiazinha, o Império tem a Thaizona!


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quarta-feira, abril 29, 2009

Não era o pintor


Como fazia habitualmente, Dona Neuma almoçou bem, tomou suas braminhas e foi tirar uma  soneca no sofá da sala, onde a porta estava sempre aberta. A casa da filha de Seu Saturnino tinha uma frequência somente comparável à da própria quadra, ali ao lado.

Naquela tarde, Dona Neuma foi acordada com alguém batendo no portal. Sobressaltada, deu um pulo do sofá, procurando os óculos. Enxergou apenas o vulto de um homem, que dizia, timidamente:

- Dona Neuma, sou eu, o Nenê.

Dona Neuma nem percebeu que o escurinho usava um terno elegante e fazia mesuras, saudando uma das mais importantes figuras da Corte Verde-e-Rosa. Reagiu, contrariada:

- Que pintor?! Eu não chamei pintor nenhum. Pintei minha casa outro dia. Vocês estão pensando o quê? Que eu sou milionária?

O sujeito ficou mais encabulado ainda. Resolveu se aproximar e se identificou:

- Não sou pintor, Dona Neuma. Sou o Nenê, o Nenê da Vila Matilde.

Era o fundador da afilhada paulistana, que vinha pedir permissão para homenagear a Mangueira no enredo daquele ano.



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terça-feira, abril 28, 2009

Um caubói no plenário


Entre as figuras folclóricas que já frequentaram as plenárias da Liga Independente, o ex-presidente do Império, José Marcos da Silva, o Marquinhos dos Anéis, merece  destaque.

Em 1996, Marquinhos estava eufórico com a verba que patrocinaria o enredo O Mundo Encantado de Beto Carrero. A empolgação era tanta, que além dos anéis gigantescos, o presidente acrescentou mais um item à sua coleção de extravagâncias: o chapéu de caubói.

Em noite de reunião na Liesa, o presidente Jorge Castanheira (em seu primeiro mandato), fazia a chamada dos presidentes, antes de abrir os trabalhos:

- Império Serrano, presidente José Marcos da Silva… - Castanheira chamou uma, duas, três vezes.

Antes que chamasse a quarta, foi interrompido pelo ex-presidente da Mocidade, Jorge Pedro:

- Ele foi lá embaixo amarrar o cavalo, presidente.


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segunda-feira, abril 27, 2009

A indignação de Rosa


Uns dizem que o tumulto aconteceu quando de uma reunião para prestação de contas de barraquinhas de uma festa junina, outros que foi num debate interno sobre critérios para a disputa de samba-enredo. A verdade é que estourou uma briga e acabou virando um conflito generalizado na Ala de Compositores da Portela. 

O baulho e a gritaria chegaram aos ouvidos de Natal, que estava na secretaria. Walter Rosa (na foto, à direita, cantando com Candeia), que conversava com o presidente, saiu correndo na frente para se inteirar da situação.

Quando o presidente chegou ao local da reunião, encontrou um quadro desolador. Compositores trocando safanões, outros engalfinhados, mesas e cadeiras derrubadas. Na porta da sala, Walter Rosa, estupefato e indignado:

- Não acredito! Esta não é a nossa querida Escola, senhor presidente. Não pode ser a nossa Portela... Veja quantos poetas salpicados pelo chão!

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domingo, abril 26, 2009

Dúvidas sobre critérios de julgamento

Michael Salvador escreve, sugerindo análise sobre critérios de julgamento e faz indagações:

“O assunto ainda não foi abordado aqui no blog, mas acho que seria interessante um post sobre o tema: as justificativas dos jurados para as notas que deram durante os desfiles. Li algumas das explicações e uma me chamou atenção. Não me lembro qual foi o julgador mas, provavelmente, foi um de harmonia que deu uma nota baixa para o Império Serrano. Alegou que o Império em termos de empolgação dos componentes não estava igual às outras escolas.

Pergunto: os jurados podem comparar uma escola com a outra? A nota que eles dão não tem que ser somente em relação à escola que acabaram de analisar? Como ele (ou ela) conseguiu comparar o Império a outras escolas, se o Império foi a primeira a desfilar? Teria a comparação sido feita com as escolas do Grupo de Acesso?” 

Prezado Michael, antes de ir diretamente ao assunto, acho oportuno transcrever o que consta do Manual do Julgador – LIESA/ Carnaval 2009, na seção “Deveres do Julgador”, ítem 8:

“OBEDIÊNCIA AO SISTEMA DE CONCESSÃO DE NOTAS E AOS

CRITÉRIOS DE JULGAMENTO DE CADA QUESITO


Todos os Julgadores deverão obedecer irrestritamente o sistema de concessão de notas e os critérios de julgamento de cada Quesito, ficando, assim, evidenciado que cada Julgador deverá se ater, única e exclusivamente, às questões inerentes ao seu respectivo Quesito, não se deixando influenciar, em hipótese alguma, pela totalidade do desfile dessa ou daquela Agremiação e levando em conta, apenas, o real desempenho e a qualidade do que for apresentado no momento do desfile(os grifos são meus).


Entendo que, segundo as instruções acima, o julgador deve se ater única e exclusivamente ao quesito que está analisando, sem deixar se influenciar pelo conjunto do desfile dessa ou de outra Escola. 


Ocorre que os julgadores são instruídos a fazer um julgamento comparativo no que diz respeito ao seu quesito. São orientados a preencherem os mapas após a passagem da última Escola a se apresentar, quando transformam em notas os apontamentos feitos nas duas noites de desfiles. Teoricamente, isso evitaria injustiças pois, no caso de serem obrigados a lançar a nota logo após a exibição da escola, não teriam como reavaliar a sua análise.


Portanto, as notas do Império e de todas as concorrentes fizeram parte de um sistema comparativo que envolveu as seis Escolas de domingo e as seis de segunda-feira, em todos os quesitos – e não apenas em Harmonia. Se foram justas ou não isso é uma outra questão e depende da visão de cada um. 


Para concluir: não entendo que haja uma dualidade entre o que está expresso no Manual do Julgador (transcrito acima) e as instruções do julgamento comparativo. Trocando em miúdos, seria a mesma coisa que dizer ao julgador: analise apenas o seu quesito e não se deixe influenciar por nada mais que a Escola estiver apresentando; depois, compare esse julgamento com o que você fez (para o mesmo quesito) em relação às demais concorrentes. 


Espero ter esclarecido a sua dúvida, Michael.


sábado, abril 25, 2009

Como se fosse arroz


Poetas tem um modo diferente de enxergar a vida e se expressar . Walter Rosa (foto), um dos mais iluminados poetas da história portelense, não era diferente. Ao contrário. Adorava burilar palavras, construir frases com uma engenharia original, e arrancar a admiração de seus interlocutores.


Por isso, gostava de ser o último a se dirigir ao público. Nasceu para encerrar pronunciamentos com chave de ouro. 


Era assim também nos programas de rádio. Deixava que os companheiros das co-irmãs dessem o seu recado e, então, fechava a roda. 


Uma noite, na Rádio Nacional, aproveitou o tempo de sua breve participação para anunciar o falecimento da mulher de um compositor:


- … e assim sendo, senhores ouvintes, cumprimos o doloroso dever de informar que a esposa de nosso estimado companheiro… azedou.



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sexta-feira, abril 24, 2009

A Força Jovem do Urubu


O radialista Adelzon Alves (foto), o Amigo da Madrugada, recebeu uma comitiva do bloco carnavalesco Embalo do Morro do Urubu nos estúdios da Rádio Globo. Ofereceu o microfone para as saudações de um dos representantes, que cumprimentou o público e afirmou:


- O Embalo agora tá esperto, tá bem nas paradas.


O comunicador:


- Soube que vocês realizaram eleições.


O diretor do Embalo:


- É verdade. Mudou toda a diretoria e empossamos homens de alta periculosidade no meio do samba.


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quinta-feira, abril 23, 2009

O momento mágico de um poeta

Edeor de Paula (com Silas de Oliveira ao fundo) no Centro Cultural Cartola - Foto de Diego Mendes

Foi um mecânico que desentupia carburadores dos veículos do Exército, no Forte do Leme, que compôs sozinho letra e melodia de “Os Sertões” – um dos mais belos clássicos do Carnaval Carioca.


Edeor de Paula está com 76 anos, não participa mais de disputa de sambas-enredos e dedica a aposentadoria para fazer sambas românticos. Ainda frequenta rodas-de-samba, gravou várias composições inéditas num CD e tenta compreender a falta de espaço no mercado, imposta pela crise e pela pirataria.  


Recentemente, Edeor gravou depoimento para o Centro Cultural Cartola, relembrando momentos de sua carreira, que começou com esta obra-prima, feita para a Em Cima da Hora, Carnaval de 1976: 


Marcado pela própria natureza

O Nordeste do meu Brasil

Oh! solitário sertão

De sofrimento e solidão

A terra é seca

Mal se pode cultivar

Morrem as plantas e foge o ar
A vida é triste nesse lugar


O mecânico-poeta foi o último a se inscrever no concurso de sambas-enredos da Em Cima da Hora e o fez por direito adquirido, pois vencera, naquele mesmo ano, os festivais de samba de quadra e o de “esquenta” da Avenida. 


Teve apenas 17 dias para traduzir as 42 páginas do “histórico” (o precursor da sinopse) nos versos que ficariam para a eternidade; levou 12 dias para encontrar a forma ideal dos quatro versos grifados acima, considerados por ele os mais belos da letra.


No dia da apresentação dos sambas na quadra de Cavalcante, surgiram dois problemas. Alguns diretores implicaram com o “desrespeito” à obrigatoriedade que constava no “histórico”. A letra deveria trazer a frase “O sertanejo é antes de tudo,  um forte”, com a qual Euclides da Cunha abriu “Os Sertões”. Edeor pediu desculpas, pois havia interpretado a frase num refrão:


Sertanejo é forte
Supera a miséria sem fim
Sertanejo homem forte
Dizia o poeta assim


O outro problema foi com Nando, o cantor que defenderia o samba. Tivera uma forte diarréia, causada por um cachorro-quente “premiado”. O próprio Edeor subiu ao palanque para cantar “Os Sertões” – o 24o ou 25o da noite, não tem certeza. Passava das 4h30. 


- Mas, valeu a pena. Depois, fiquei procurando se havia prospectos do meu samba espalhados pelo chão. Não encontrei nenhum. Fiquei feliz. Certamente, a turma tinha gostado. – lembra Edeor.


Foi no século passado
No interior da Bahia
O homem revoltado com a sorte
do mundo em que vivia
Ocultou-se no sertão
espalhando a rebeldia
Se revoltando contra a lei
Que a sociedade oferecia


As economias que espremia do salário foram suficientes para custear as despesas de gráfica; a simpatia e a educação foram os investimentos para incentivar a galera que apoiava o samba em cada eliminatória. A vitória foi consagradora.


Os jagunços lutaram
Até o final
Defendendo Canudos
Naquela guerra fatal


Depois da estréia espetacular, Edeor participou de diversos concursos na Em Cima da Hora, Caprichosos de Pilares, Império Serrano, Portela e Beija-Flor – nesta, integrou a parceriado samba vencedor, em 1993. Chegou a diversas finais e semifinais.


A glória, porém, fora-lhe reservada para aquele momento único. Um momento que, talvez, apenas o grande Silas tenha conhecido em toda a plenitude.


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quarta-feira, abril 22, 2009

Penas de hiena


Em 1978, a Mangueira decidiu levar a sua história para a Avenida, apresentando o enredo “Dos carroceiros do imperador ao Palácio do Samba”.

Após reunião da Comissão de Carnaval, o diretor responsável pelas compras do barracão chamou dois auxiliares e deu-lhes a seguinte instrução:

- Esta é a relação de material para vocês comprarem, amanhã, na rua da Alfândega. O que sobrar, comprem tudo de penas de hiena.

Os dois ajudantes se assustaram com o pedido. Um deles, com todo jeito, questionou:

- E se não tiver pena de hiena, serve de ema?

O diretor continuou compenetrado em suas anotações e respondeu:

- Serve, é tudo a mesma coisa.


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terça-feira, abril 21, 2009

Nervos de Aço


O samba foi convidado para marcar a sua presença no Festival de Gramado, no Rio Grande do Sul. Os artistas se reuniram em Porto Alegre e de lá seguiriam em ônibus de luxo para a terra do cinema nacional. Entre eles estavam Nei Lopes e Jamelão, que eram vizinhos em Vila Isabel e, coincidentemente, ocuparam a mesma poltrona.

Na janela, Nei não sabia como tentar iniciar uma conversa com o cantor fechadão, sentado no lado do corredor. Nei imaginou diversos argumentos e apelou para que o lhe pareceu mais prático:

- Mestre! – exclamou, sorridente, tentando ser agradável.

Jamelão continuou olhando para frente:

- Oi. – respondeu, secamente, sem demonstrar o menor entusiasmo.

Nei perdeu o rebolado:

- O senhor se lembra de mim, né?

Jamelão, mais seco ainda:

- Lembro.

- Sou o Nei Lopes, o compositor, seu vizinho, lá de Vila Isabel.

Jamelão, sempre olhando para a frente:

- Eu sei.

E nada mais foi dito ao longo de 130 quilômetros.

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segunda-feira, abril 20, 2009

Acertando as Contas


Jovelina Pérola Negra estava fazendo uma temporada no Teatro João Caetano. Uma noite, convidou um casal amigo para assistir ao show. 

- E os convites? – perguntou o porteiro do teatro, questionando o casal.

- Ela não nos deu nada. – respondeu o convidado, explicando:- A Jovelina apenas mandou que a gente viesse.

O porteiro:

- Então, ela convidou só no papo?

O convidado:

- Sim, se o senhor duvidar, pode perguntar a ela.

- Como?! – reagiu o porteiro:- A Jovelina já vai entrar no palco.

Acabou aliviando. Deixou que o casal entrasse e, depois do espetáculo, acertaria com a pagodeira. 

E assim fez. Terminado o show, o porteiro foi a Jovelina falar sobre o casal. Explicou que os dois estavam sem convites, mas mesmo assim deixou que entrassem. 

Jovelina agradeceu. Mas o porteiro prosseguiu, insinuante:

- Sim, mas eu vou botar no seu borderô.

A pagodeira virou-se, ofendida, a ponto de virar a mão no sujeito:

- Vá botar no borderô da sua mãe!


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sábado, abril 18, 2009

Não seria por acaso


Cláudio Bernardo da Costa, o sócio no 1 da Portela, era uma figura doce, educada e simbolizava com muita dignidade as tradições de sua Escola. Orgulhava-se de ser um fundadores da agremiação e de ter acompanhado toda a sua trajetória, desde o tempo do Conjunto Oswaldo Cruz, em 1923.

Fiz uma longa entrevista com Seu Cláudio, em dezembro de 1996. Ele completara 91 anos no mês anterior e estava perfeitamente lúcido, elegante e sorridente. Contou toda a sua vida, que se misturava com a da Portela. 

Era filho de um africano, Joaquim Bernardo da Costa, que trabalhara no Cais do Porto identificando diferentes qualidades de café, e de uma carioca, Hortênsia Bernardo da Costa.

Humilde e trabalhador, Seu Cláudio era caldeireiro. Começou na Anglo-Brasileira, passou pela White Martins e foi para a Projetil – uma fábrica de armamentos do Exército, no Andaraí. Por méritos, foi promovido. Trocou a caldeira por uma sala equipada com ventilador, mesa, linha telefônica e um cinzeiro.

- Aquele cinzeiro não estava ali por acaso. E se o colocaram na minha mesa era para que eu o usasse. Foi quando comecei a fumar… - recordava o Sócio no 1 nas lonjuras do pensamento, concluindo: - Mas foi só por seis meses, porque começou a me dar uma tosse danada.

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sexta-feira, abril 17, 2009

Sapatos marrons


A Vila já estava formada para entrar na Avenida, quando apareceu o compositor Jorginho Saberás – que ganhou o apelido depois que o samba de sua autoria virou sucesso na voz de Oswaldo Nunes (Saberás, saberás, saberás/ Como eu te amo, meu amor/ Vem para os braços meus/ Que encontrarás a paz/ Quero sentir teu calor).


Ao contrário de seus companheiros de ala, todos de branco, Saberás usava sapatos marrons.


Ao ver o Capitão Guimarães, um presidente exigente nos mínimos detalhes, apelou. Abriu os braços e deu aquela puxada:


- Meu general! Vamos ganhar o carnaval!


Os olhos atentos de Guimarães bateram logo nos sapatos do compositor. O presidente continuou no jargão militar:


- Soldado alterado, fora de forma! 


Saberás não desfilou.


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quinta-feira, abril 16, 2009

A luz de cada um


Djalma Sabiá sustenta que a poesia já vem no DNA do indivíduo. Lembra de uma passagem no Morro do Salgueiro.

Era noite de sábado, céu estrelado. Ele e o amigo Valdir Ferreiro caminhavam na direção da quadra, que ficava no alto do morro, quando faltou energia. Apesar da gambiarra apagada, o samba continuou, sob a luz do luar.

Valdir sentou numa mesinha e, inspirado pelo que via, rabiscou alguns versos:

Pode faltar luz lá no morro

Que o samba continuará

O esplendor vem das estrelas

E o refletor é a lua

Lá, quando anoitece

Do morro ninguém desce

Tem samba no terreiro

A poeira sobe, o sereno cai

E o samba vai, vai, vai…


Valdir era pai de Pedro Marreco, que, infelizmente, não herdou a sua poesia.


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quarta-feira, abril 15, 2009

Meu negócio é outro


A turma que gosta de botar pilha aproveitou o momento conturbado para espalhar o boato de que o samba “favorito” era apoiado pelo chefão do movimento.

Isso fez com que diversos concorrentes esfriassem no transcurso da disputa. Afinal, quem se atreveria a encarar o poderoso adversário?

A notícia de que o “vencedor” já estava escolhido circulou de boca em boca. Saiu da quadra, passou pelos bares e biroscas e foi cair nos ouvidos do dito cujo que, até aquele momento, não sabia de absolutamente nada. 

Foi o suficiente para enviar um mensageiro à quadra, informando que precisava ter uma reunião urgente com os diretores da agremiação e compositores ainda inscritos no corcurso de sambas.

Dois dias depois, no horário marcado, o homem chegou – acompanhado por seus “assessores”, logicamente. E foi bem claro:

- Vim aqui pra dizer a vocês que não tenho nada a ver com o samba de ninguém. Todo mundo sabe que o meu negócio é outro. E se continuarem envolvendo meu nome nessa muvuca de samba-enredo, o bicho vai pegar! 


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terça-feira, abril 14, 2009

Chibatadas no Samba

João Cândido, o mestre-sala dos mares e enredo da Ilha em 1985

A União da Ilha do Governador teve problemas com as autoridades militares em 1984 – 20 anos após a Revolução. Foi por causa de um enredo criado por Luís Orlando, filho do narrador esportivo Orlando Batista, que pretendia fazer uma homenagem a Elis Regina através da canção (um samba-enredo) “O Mestre-Sala dos Mares”, de João Bosco e Aldir Blanc.

A canção homenageava o marinheiro negro João Cândido Felisberto, que liderou, em 1910, um movimento contra os castigos físicos impostos como punição – uma prática comum contra os militares menos graduados da Armada. Mais de dois mil homens se amotinaram na Baía de Guanabara, ameaçando disparar os canhões contra a cidade. O movimento entrou para a história como “A Revolta da Chibata”, traduzida com a poesia de Aldir:


Há muito tempo nas águas da Guanabara

O dragão do mar reapareceu

Na figura de um bravo feiticeiro

A quem a história não esqueceu

Conhecido como o Navegante Negro

Tinha a dignidade de um mestre-sala

E ao acenar pelo mar na alegria das regatas

Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas

Jovens polacas e por batalhões de mulatas


Rubras cascatas

Jorravam das costas dos santos

Entre cantos e chibatas

Inundando o coração do pessoal do porão

Que, a exemplo do feiticeiro, gritava então


Glória aos piratas
Às mulatas, às sereias
Glória à farofa
à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história não esquecemos jamais
Salve o navegante negro
Que tem por monumento as pedras pisadas do cais
Mas salve

Salve o navegante negro
Que tem por monumento as pedras pisadas do cais
Mas faz muito tempo


A direção da Escola foi chamada ao comando do 1o Distrito Naval para dar explicações. O presidente Paulo Amargoso fez uma preleção, presenteando o almirante com uma camisa da Escola. Deixou com o fundador Orphilo Bastos, que era um grande boa-praça, a missão de apresentar as “justificativas” do enredo:

- O senhor tá levando isso muito a sério, comandante. – comentou Orphilo. O enredo não tem nada de subversivo. Isso é coisa de sambista mesmo. A gente só tá contando uma lenda… - e abriu a sua tradicional gargalhada.

O comandante sorriu também e entendeu que chibatadas de samba não doem. O enredo “Um Herói, um Enredo, uma Canção” foi liberado. Mas a Ilha foi parar em 12o lugar.


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terça-feira, abril 07, 2009

A maior quadra "a céu aberto"

Dinorah e José Leite, figuras de proa da história azul e branca (foto Tereza Helena, 06/01/1992)

O ano de 1987 foi um ano amargo para a Vila Isabel. Ao terminar seu mandato, o Capitão Guimarães deixara a presidência para comandar a Liesa; e o América vendera o seu campo – com a quadra de ensaios da Vila – para a construção do Shopping Iguatemi.

Lícia Maria Caniné, a Ruça, assumiu a presidência com a Vila tendo que ensaiar na rua. Os ensaios aconteciam nas noites de sábado, na pista esquerda do Boulevard 28 de Setembro, próximo à praça Barão de Drumond. 

A Escola que fora a grande surpresa do carnaval daquele ano (“Raízes”, Max Lopes, samba de Martinho) e “dona” da quadra mais badalada da cidade, agora estava despejada. Fui cobrir o primeiro ensaio para O Dia.

Estávamos debruçados no balcão de uma barraquinha, Ruça, José Leite, Dinorah das Gatas (Afonsina Pires, fundadora dos Herdeiros da Vila) e eu. Perguntei à presidente como ela se sentia vendo a sua Escola ensaiar na rua.

Ruça começou a chorar. As lágrimas foram aumentando, bloqueando qualquer possibilidade de resposta. Ficamos sem saber o que fazer.

Com seu bom-humor permanente, José Leite abriu um sorriso e confortou a presidente, com o seu jeito otimista de ver a vida:

- Não fica assim, Ruça. A Vila tem hoje a maior quadra a céu aberto do Rio. – e apontando para as calçadas da 28 de Setembro, prosseguiu: - É a que tem o maior número de bares, lanchonetes, restaurantes, agências bancárias…

A Vila conseguiu o seu primeiro título naquele carnaval, com Kizomba. Conquistou outro, em 2006. E hoje possui uma das maiores e melhores quadras do Grupo Especial, no mesmo Boulevard 28 de Setembro.


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domingo, abril 05, 2009

Mais de oito horas no bonde


Apesar de pouco falado (e lembrado), José Leite foi uma das figuras mais importantes da história da Vila Isabel. 

Trabalhou na Escola desde a sua fundação e era uma espécie de braço direito de Seu China, o primeiro presidente. Leite (na foto de Daniel Ribeiro, 1977) sempre foi de jogar para o time, carregando o piano. 

Uma de suas missões era fazer visitas periódicas ao ateliê do pintor e escultor Miguel Moura, um dos primeiros carnavalescos da cidade. Nesses encontros, no Centro, surgiam papos e ideias, e deles nasciam os enredos da Vila – cujas alegorias e fantasias eram criadas por Miguel. 

Como sempre fazia, Leite embrulhava as pranchas com todo o carinho e tomava o bonde de volta para Vila Isabel. 

Certa vez, já no bonde, Leite teve que enfrentar um impiedoso temporal. Ficou mais de oito horas ilhado em diversos alagamentos entre a Presidente Vargas e a Praça Barão de Drumond, com máximo cuidado para que a chuva não respingasse nas telas pintadas a guache. 

Era quase meia-noite quando Leite conseguiu descer do bonde com o material são e salvo. Escalou as escorregadias escadarias do Morro dos Macacos para entregar as pranchas a Seu China, que as aguardava desde o final da tarde.

Lá chegando, Leite encontrou o presidente só de calção e tamancos, tomando uma champanhada e ouvindo o noticiário no rádio. Abriu os braços, feliz por ter ter conseguido cumprir sua missão com lealdade e bravura:

- Meu presidente!

China fez aquela cara de cacique mau-humorado e reclamou da hora:

- Vocês não querem p. nenhuma!


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sábado, abril 04, 2009

Entrega em domicílio


Natal (eternizado no traço de Mestre Lan) voltava das compras com uma de suas namoradas. O carro estava abarrotado de sacolas de supermercado, que foram descarregadas na calçada. Foi quando o motorista do Homem de Um Braço Só percebeu que o marido da tal criatura estava plantado no portão de casa, de braços cruzados, soltando fumaça pelas ventas. 


Imediatamente, o motorista veio dar o serviço ao patrão, que desceu do velho Ford e foi logo dizendo:


- Como é, seu corno? Vai ficar aí olhando ou vem ajudar a pegar as compras?


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sexta-feira, abril 03, 2009

Laudenir, o ponta-esquerda


Conheci Beto-Sem-Braço quando ele era apenas Laudenir Casemiro e vendia limões na feira. 

Eu ainda era garoto e Laudenir já frequentava a mercearia de meus pais, na rua Conselheiro Correa, em Vila Isabel. O assunto no balcão era sempre futebol.

Laudenir jogava bem e não eram poucas as histórias que contavam a seu respeito, atuando na ponta esquerda do Monte Alverne – um time que usava um uniforme igual ao do Botafogo e era a sensação das manhãs de domingo, no antigo campo da América Fabril (atual centro eletrônico do Banco do Brasil, na rua Barão de São Francisco, próximo ao shopping Iguatemi, no Andaraí). 

Um dia, fui ver o Monte Alverne jogar. E lá estava Laudenir, na canhota, ciscando, atrevido, pra cima dos zagueiros. Com um braço só. 

Num contra-ataque do Monte Alverne, Dequinha – um meia-armador que jogava o fino – esticou para Laudenir, rente à linha lateral. O zagueiro adversário conseguiu se antecipar e cortou com a ponta da chuteira, jogando a bola pra fora.

Tentando pegar a defesa adversária desprotegida, Dequinha correu na direção do ponta, pedindo:

- Bate logo o lateral, bate! 

Laudenir olhou enfurecido para o companheiro, balançando o cotoco:

- Como, pô?!

Até o juiz achou graça.

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quinta-feira, abril 02, 2009

O relógio de Beto-Sem-Braço


Entre os vários prêmios conquistados pela autoria de Bumbum, Paticumbum, Prugurundum, eleito o melhor samba-enredo do Carnaval de 1982 e que deu o último campeonato ao Império Serrano no Grupo Especial, Beto Sem Braço e Aluísio Machado ganharam relógios de ouro.

Aluísio usou o seu, normalmente, mas Beto causou estranheza ao prender o relógio na parte que lhe sobrara do braço direito. Era esquisito, mas temendo o temperamento do compositor, ninguém se atrevia a tocar no assunto.

Um dia, num barzinho, em Madureira, o balconista caiu na asneira de perguntar:

- Seu Beto, por que o senhor não usa o relógio no pulso do outro braço?

Beto respirou fundo, trincou os dentes e respondeu com outra pergunta:

- E com que mão eu ia dar corda no relógio, ô idiota? 


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quarta-feira, abril 01, 2009

O espírito explosivo do compositor


A Vila ainda era uma Escola ioiô, oscilando entre os Primeiro e Segundo Grupos. A cada rebaixamento, fervilhava a roda de comentários nos bares da Praça Sete. E uma das vozes que mais protestavam era a de Jarbas, compositor, um dos filhos de Seu China (Antônio Fernandes da Silveira), fundador da Azul-e-Branca.

- Só tem um jeito: explodir aquilo tudo! – alardeava o compositor, com a sua voz rouca, os olhos faiscando de indignação.

Naquela época, no início da década de 70, as reuniões da Vila eram feitas na antiga Escola Torres Homem, na rua Barão de São Francisco, por onde passam os automóveis procedentes do túnel Noel Rosa.

E eis que, numa bela noite, chega o Jarbas, carregando uma sacola suspeita. A reunião da diretoria já havia começado. O compositor passou sem cumprimentar ninguém e ficou sentado numa das últimas cadeiras. Pôs a sacola ao lado.

De repente, a voz rouca de Jarbas fez calar os diretores:

- Isso não tem jeito, não! Mas, hoje, eu vou explodir essa… - levantou-se e enfiou a mão na sacola.

Todo mundo saiu correndo. Não ficou ninguém pra ver. 

Minutos depois, o zelador da escola voltou, apavorado:

- Calma, Seu Jarbas. As crianças precisam da escola pra estudar.

O “terrorista” abriu a sacola:

- São só as minhas ferramentas. – mostrou os pincéis, pacotes de estopa, lixas e um rolo de fita adesiva.


Copyright Cláudio Vieira – 2009

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