terça-feira, abril 14, 2009

Chibatadas no Samba

João Cândido, o mestre-sala dos mares e enredo da Ilha em 1985

A União da Ilha do Governador teve problemas com as autoridades militares em 1984 – 20 anos após a Revolução. Foi por causa de um enredo criado por Luís Orlando, filho do narrador esportivo Orlando Batista, que pretendia fazer uma homenagem a Elis Regina através da canção (um samba-enredo) “O Mestre-Sala dos Mares”, de João Bosco e Aldir Blanc.

A canção homenageava o marinheiro negro João Cândido Felisberto, que liderou, em 1910, um movimento contra os castigos físicos impostos como punição – uma prática comum contra os militares menos graduados da Armada. Mais de dois mil homens se amotinaram na Baía de Guanabara, ameaçando disparar os canhões contra a cidade. O movimento entrou para a história como “A Revolta da Chibata”, traduzida com a poesia de Aldir:


Há muito tempo nas águas da Guanabara

O dragão do mar reapareceu

Na figura de um bravo feiticeiro

A quem a história não esqueceu

Conhecido como o Navegante Negro

Tinha a dignidade de um mestre-sala

E ao acenar pelo mar na alegria das regatas

Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas

Jovens polacas e por batalhões de mulatas


Rubras cascatas

Jorravam das costas dos santos

Entre cantos e chibatas

Inundando o coração do pessoal do porão

Que, a exemplo do feiticeiro, gritava então


Glória aos piratas
Às mulatas, às sereias
Glória à farofa
à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história não esquecemos jamais
Salve o navegante negro
Que tem por monumento as pedras pisadas do cais
Mas salve

Salve o navegante negro
Que tem por monumento as pedras pisadas do cais
Mas faz muito tempo


A direção da Escola foi chamada ao comando do 1o Distrito Naval para dar explicações. O presidente Paulo Amargoso fez uma preleção, presenteando o almirante com uma camisa da Escola. Deixou com o fundador Orphilo Bastos, que era um grande boa-praça, a missão de apresentar as “justificativas” do enredo:

- O senhor tá levando isso muito a sério, comandante. – comentou Orphilo. O enredo não tem nada de subversivo. Isso é coisa de sambista mesmo. A gente só tá contando uma lenda… - e abriu a sua tradicional gargalhada.

O comandante sorriu também e entendeu que chibatadas de samba não doem. O enredo “Um Herói, um Enredo, uma Canção” foi liberado. Mas a Ilha foi parar em 12o lugar.


Copyright Cláudio Vieira – 2009

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