Foi um mecânico que desentupia carburadores dos veículos do Exército, no Forte do Leme, que compôs sozinho letra e melodia de “Os Sertões” – um dos mais belos clássicos do Carnaval Carioca.
Edeor de Paula está com 76 anos, não participa mais de disputa de sambas-enredos e dedica a aposentadoria para fazer sambas românticos. Ainda frequenta rodas-de-samba, gravou várias composições inéditas num CD e tenta compreender a falta de espaço no mercado, imposta pela crise e pela pirataria.
Recentemente, Edeor gravou depoimento para o Centro Cultural Cartola, relembrando momentos de sua carreira, que começou com esta obra-prima, feita para a Em Cima da Hora, Carnaval de 1976:
Marcado pela própria natureza
O Nordeste do meu Brasil
Oh! solitário sertão
De sofrimento e solidão
A terra é seca
Mal se pode cultivar
Morrem as plantas e foge o ar
A vida é triste nesse lugar
O mecânico-poeta foi o último a se inscrever no concurso de sambas-enredos da Em Cima da Hora e o fez por direito adquirido, pois vencera, naquele mesmo ano, os festivais de samba de quadra e o de “esquenta” da Avenida.
Teve apenas 17 dias para traduzir as 42 páginas do “histórico” (o precursor da sinopse) nos versos que ficariam para a eternidade; levou 12 dias para encontrar a forma ideal dos quatro versos grifados acima, considerados por ele os mais belos da letra.
No dia da apresentação dos sambas na quadra de Cavalcante, surgiram dois problemas. Alguns diretores implicaram com o “desrespeito” à obrigatoriedade que constava no “histórico”. A letra deveria trazer a frase “O sertanejo é antes de tudo, um forte”, com a qual Euclides da Cunha abriu “Os Sertões”. Edeor pediu desculpas, pois havia interpretado a frase num refrão:
Sertanejo é forte
Supera a miséria sem fim
Sertanejo homem forte
Dizia o poeta assim
O outro problema foi com Nando, o cantor que defenderia o samba. Tivera uma forte diarréia, causada por um cachorro-quente “premiado”. O próprio Edeor subiu ao palanque para cantar “Os Sertões” – o 24o ou 25o da noite, não tem certeza. Passava das 4h30.
- Mas, valeu a pena. Depois, fiquei procurando se havia prospectos do meu samba espalhados pelo chão. Não encontrei nenhum. Fiquei feliz. Certamente, a turma tinha gostado. – lembra Edeor.
Foi no século passado
No interior da Bahia
O homem revoltado com a sorte
do mundo em que vivia
Ocultou-se no sertão
espalhando a rebeldia
Se revoltando contra a lei
Que a sociedade oferecia
As economias que espremia do salário foram suficientes para custear as despesas de gráfica; a simpatia e a educação foram os investimentos para incentivar a galera que apoiava o samba em cada eliminatória. A vitória foi consagradora.
Os jagunços lutaram
Até o final
Defendendo Canudos
Naquela guerra fatal
Depois da estréia espetacular, Edeor participou de diversos concursos na Em Cima da Hora, Caprichosos de Pilares, Império Serrano, Portela e Beija-Flor – nesta, integrou a parceriado samba vencedor, em 1993. Chegou a diversas finais e semifinais.
A glória, porém, fora-lhe reservada para aquele momento único. Um momento que, talvez, apenas o grande Silas tenha conhecido em toda a plenitude.
Copyright Cláudio Vieira – 2009
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