domingo, abril 05, 2009

Mais de oito horas no bonde


Apesar de pouco falado (e lembrado), José Leite foi uma das figuras mais importantes da história da Vila Isabel. 

Trabalhou na Escola desde a sua fundação e era uma espécie de braço direito de Seu China, o primeiro presidente. Leite (na foto de Daniel Ribeiro, 1977) sempre foi de jogar para o time, carregando o piano. 

Uma de suas missões era fazer visitas periódicas ao ateliê do pintor e escultor Miguel Moura, um dos primeiros carnavalescos da cidade. Nesses encontros, no Centro, surgiam papos e ideias, e deles nasciam os enredos da Vila – cujas alegorias e fantasias eram criadas por Miguel. 

Como sempre fazia, Leite embrulhava as pranchas com todo o carinho e tomava o bonde de volta para Vila Isabel. 

Certa vez, já no bonde, Leite teve que enfrentar um impiedoso temporal. Ficou mais de oito horas ilhado em diversos alagamentos entre a Presidente Vargas e a Praça Barão de Drumond, com máximo cuidado para que a chuva não respingasse nas telas pintadas a guache. 

Era quase meia-noite quando Leite conseguiu descer do bonde com o material são e salvo. Escalou as escorregadias escadarias do Morro dos Macacos para entregar as pranchas a Seu China, que as aguardava desde o final da tarde.

Lá chegando, Leite encontrou o presidente só de calção e tamancos, tomando uma champanhada e ouvindo o noticiário no rádio. Abriu os braços, feliz por ter ter conseguido cumprir sua missão com lealdade e bravura:

- Meu presidente!

China fez aquela cara de cacique mau-humorado e reclamou da hora:

- Vocês não querem p. nenhuma!


Copyright Cláudio Vieira – 2009

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