terça-feira, março 31, 2009

O romantismo do Malandro Histórico


Os primeiros sambas que Monarco compôs na Portela foram em parceria com Alcides. Ao contrário de tantas outras vezes, agora Alcides caprichara nos versos que enalteciam a musa – o que valeu um comentário positivo de Dona Guiomar, mulher do "malandro histórico" (documentado no traço de Lan):

- Até que enfim vocês fizeram um samba decente. Até hoje, o que tenho ouvido são sambas em que a mulher é obrigada a se humilhar, rastejando.

Rapazola, Monarco ficou sem jeito. Explicou que era sempre o parceiro quem fazia a primeira parte e ele, então, apenas se limitava a dar continuidade ao argumento, na segunda estrofe.

Dona Guiomar encolheu os ombros e foi para a cozinha. Alcides, então, comentou com o companheiro:

- Não liga, não. Toda vez que eu faço um samba romântico, ela vem me questionar: “Alcides, quem é essa pilantra?”

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domingo, março 29, 2009

Quanto custa uma obra-prima?


Leiam a letra e deixem a mente vagar… 

Vivia no litoral africano

Um régia tribo ordeira

Cujo rei era símbolo

De uma terra laboriosa e hospitaleira.

Um dia, essa tranquilidade sucumbiu
Quando os portugueses invadiram,
Capturando homens
Para fazê-los escravos no Brasil.

Na viagem agonizante,
Houve gritos alucinantes,
Lamentos de dor
Ô-ô-ô-ô, 

Adeus, Baobá,
Ô-ô-ô-ô-ô, 

Adeus, meu Bengo, eu já vou.


Estamos em 1963. Naquela época, as sinopses (os "históricos") eram robustas e ricas em detalhes. Não havia a menor pretensão em entregar versos semiprontos e rimas mastigadas para os compositores. Muito pelo contrário. A recomendação era de que pesquisassem ainda mais. Apesar da pouca escolaridade, os poetas daquele tempo frequentavam a Biblioteca Nacional. Tiravam suas dúvidas com professores de História e Português.


Ao longe, Minas jamais ouvia,
Quando o rei, mais confiante,
Jurou a sua gente que um dia os libertaria.
Chegando ao Rio de Janeiro,
No mercado de escravos
Um rico fidalgo os comprou,
Para Vila Rica os levou.

A idéia do rei foi genial,
Esconder o pó do ouro entre os cabelos,
Assim fez seu pessoal.


Todas as noites quando das minas regressavam
Iam à igreja e suas cabeças lavavam,
Era o ouro depositado na pia
E guardado em outro lugar por garantia
Até completar a importância
Para comprar suas alforrias.


Geraldo Babão, seu irmão Binha e Djalma Sabiá eram três poetas daquele tempo e apenas o último está vivo. Sabiá é o compositor mais antigo do Salgueiro - e aparece na foto acima, entre os tambores da Academia. Os três transformaram uma das páginas mais bonitas da História do Brasil em samba-enredo; e dele fizeram uma obra-prima.


Foram libertos cada um por sua vez
E assim foi que o rei,
Sob o sol da liberdade, trabalhou
E um pouco de terra ele comprou,
Descobrindo ouro enriqueceu.
Escolheu o nome de Francisco,
Ao catolicismo se converteu,
No ponto mais alto da cidade Chico-Rei
Com seu espírito de luz

Mandou construir uma igreja

E a denominou
Santa Efigênia do Alto da Cruz!


Um dia, Sabiá me deu a liberdade de fazer a seguinte pergunta:

- Quanto é que vocês gastaram para fazer esse samba?

Ele deu uma gargalhada gostosa e respondeu:

- O samba foi finalizado numa noite de junho, no meu barraco, no alto do Morro do Salgueiro. E gastamos exatamente o suficiente para comprar meio quilo de linguiça e uma garrafa de conhaque de alcatrão de São João da Barra, pra rebater o frio.


1964, Chico-Rei, Acadêmicos do Salgueiro.


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quarta-feira, março 25, 2009

A elegância do Dr. Castor

Feijoada fez lembrar bacalhau, que fez lembrar VG, que fez lembrar o salmão defumado que a Mocidade ofereceu num jantar para os julgadores do Grupo Especial – no tempo em que os jurados eram recebidos com pompas e circunstâncias nas quadras.

Os frescões entraram pelos fundos e estacionaram na parte de trás da sede da rua Coronel Tamarindo. Era um dos últimos ensaios para o Carnaval de 93 e não havia espaço para mais ninguém. Era a Mocidade de Renato Lage.

Subimos por uma escadaria que dava acesso direto ao camarotes do Dr. Castor de Andrade – decorados com a foto de sua nora, Beth Andrade, capa da revista Rio, Samba e Carnaval.

Dr. Castor estava vestido com linho branco. As toalhas das mesas também eram de linho branco. E era o presidente quem fazia as honras da casa, dando as boas-vindas aos visitantes.

Tentando ser agradável, Paulinho de Andrade, filho de Castor, fazia o marketing da segurança. E comentava com as convidadas:

- Aqui, as senhoras podem usar suas jóias sem a menor preocupação. 

Dr. Castor não achou que o comentário fora muito oportuno. Disfarçou, puxando as convidadas e seus maridos para o outro lado do camarote. Abriu uma caixinha de madeira, artesanal, e ofereceu a todos:

- Aceitam um havana? 

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Saudades do bacalhau e do VG

Já havia postado o texto anterior quando duas ou três marteladas na consciência reativaram a minha memória.

Em meio a esse festival de feijoadas, há de se louvar o esforço solitário do presidente da Unidos da Tijuca, Fernando Horta, que promove, de vez em quando, bacalhoadas no antigo barracão, na Praça Mauá, e nos Portuários. Ainda não tive o prazer de conferir o norueguês ao vivo – honra que, aliás, a Imperatriz nos deu há coisa de dois ou três anos.

Foi no Alfaia, em Copacabana. No almoço de apresentação do enredo do bacalhau, a representante do Conselho Norueguês da Pesca, Kari Gulbrandsen, perguntou-me com toda a delicadeza e num sotaque levemente carregado nos erres:

- E aí, o que você achou de nosso enredo?

Diante daquela posta de um norueguês legítimo, de três densas camadas, respondi-lhe com toda propriedade:

- Pode até não ser o melhor, mas é, disparadamente, o enredo mais gostoso do ano.

Ah, o bacalhau! Lembro-me também da festa da vitória do Salgueiro, no Carnaval de 93. Miro Garcia mandou caprichar no bufê. Salgadinhos sobravam. Orgulhoso, o patrono confessou no meio de um bate-papo:

- Gosto de festa assim, com fartura. Me divirto vendo os convidados pisando em bolinhos de bacalhau.

Nada se compara, porém, à antiga República dos Camarões! Tão logo a Porto da Pedra chegou no Grupo Especial despejou sobre olhares incrédulos o seu invejável cardume de VGs! 

Eram robustos, tenros, fantásticos! A maravilha dos sete mares! 

Cheguei, certa vez, a sugerir ao saudoso Sérgio Oliveira, irmão do presidente Uberlan:

- Troca o tigre pelo VG! – Sérgio chegou a balançar. Ele, Lambel e Jorginho do Império (um dos mentores da Escola) deram gargalhadas. Imaginaram uma comissão de frente formada por apetitosos crustáceos.

Aí, baixa a crise. É tempo de feijoada.


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Domingo tem... feijoada!


Peço licença a Nei Lopes para falar de um antigo projeto seu. Há mais de dez anos – e bota dez anos nisso… -, Nei mostrou-me as páginas amareladas de um ensaio que guardava há bastante tempo (há mais de dez anos, talvez). Era o Primeiro Festival de Culinária do Samba.

Calma. Sei que existe um evento com a mesma proposta e já recebi diversos emails divulgando as etapas do circuito. Gostaria apenas de abordar os “considerandos” da iniciativa pioneira do cidadão benemérito de Seropédica, que enfatizava o talento de nossas grandes cozinheiras.

Descrevia ele, lembro-me bem, peculiaridades da cozinha mangueirense, das tripeças portelenses, do cardápio salgueirense, da mesa imperiana. Cada Escola tinha a sua característica – assim como suas cores e seu jeito de ser. Podia-se dizer que eram reconhecidas pelo cheirinho que vinha lá da cozinha.

Permitam-me abrir um parêntese para lembrar um episódio passado (há mais de dez anos também) numa noite de disputa de sambas-enredos. Vínhamos de longe, de uma agremiação onde passamos boa parte da noite em pé, espremidos, porque não havia cadeira nem espaço para jornalistas. Dado o resultado, partimos para a Mangueira, onde a quadra não estava menos apinhada de gente. Mas havia uma cadeira vazia, um refrigerante e uma voz amiga, perguntando ao pé do ouvido:

- Chegaram agora?

- Chegamos.

- Então, esperem aqui. Vou lá pegar uns pastéis que acabei de fritar.

Quem não comeu os pastéis (e a carne assada) de Tia Miúda não conheceu a Mangueira por completo. Nem imagina a razão do espanto quando olhamos a movimentada programação das Escolas de Samba: é feijoada, feijoada, feijoada, feijoada … 

E a ousadia? E a criatividade?

(A foto é de Tino Soares)


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quinta-feira, março 19, 2009

Federal impede desfile do Bloco do Galeto - Final


Além de levar o Galeteiro, os federais queriam levar o frango como testemunha


Para quem não acompanhou o início da história, é melhor ler o post anterior.

Não imagine o leitor que a prisão do Galeteiro tenha sido um ato arbitrário dos federais. Um dos agentes chegou a afirmar que eles não precisaram de muito tempo para investigar e chegar ao verdadeiro culpado:

- Culpado de quê?! – indagava o Galeteiro, diante dos foliões.

O agente, então, apontou para o alto do poste e mostrou o flagrante:

- Foi você que fez esse gato! E foi esse gato que deu um pique na rede, queimando os nossos computadores! 

Foi verdade. A sobrecarga provocou um curto-circuito na sala ocupada pelos federais, no interior do Sambódromo, próximo às unidades das empresas prestadoras de serviços.

O Galeteiro tentou explicar. Informou que usava energia cedida legalmente mas, naquela noite, quando seria homenageado pelo Bloco do Galeto, resolveu começar a assar os franguinhos mais cedo. Como os técnicos ainda não tinham feito a ligação, ele mesmo resolveu subir no poste para fazê-la à sua maneira.

- Não adianta! – retrucou o agente:- Você está preso por ter feito o gato e queimado três computadores. – e, virando-se para dois componentes do bloco, que estavam fantasiados de frango, deu-lhes um ultimato: - E vocês também vão, como testemunhas.

Um dos frangos tirou a cabeça para tentar argumentar. O outro foi impedido pelo agente mais baixo, um gordinho folgado:

- Não se mexam! Têm que ir do jeito que estão. Ele (apontou para o Galeteiro), com a roupa de médico; e vocês, de frango.

Talvez de emoção, fome, medo, calor, sei lá, o frango que ainda estava com a cabeça rodopiou e caiu no chão, desmaiado. Os foliões ficaram mais nervosos ainda. Mais do que eles, os federais.

- Querem saber de uma coisa? – gritava o policial: - Acabou o bloco. Vão desfilar na …! Todo mundo fora daqui, já!

O Galeteiro recolheu os frangos e saiu batido. Os foliões foram na frente.  Só ficou o tira baixinho folgado, cobrando do colega:

- Mas você não ia meter o cara? Não ia dar-lhe um flagrante?

E o agente, descarregando a ira num drumete:

- Com que computador, ô mané?! 


Irritado, o federal acabou levando todos os componentes do bloco para prestar depoimento

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Federal impede desfile do Bloco do Galeto - Parte I

A tv de cachorro do Galeteiro é uma das atrações do Off-Sambódromo


Finalmente, a verdade! 

Passados 20 dias do Carnaval, um amigo deste blog traz os devidos esclarecimentos sobre os motivos que impediram o Bloco do Galeto de fazer a sua  volta triunfal em torno do Sambódromo, no Sábado das Campeãs.

Pergunto: quem não conhece o Bloco do Galeto? Quase todo mundo, respondo. Principalmente as pessoas que estão do lado de dentro da Passarela e pagaram para aplaudir as seis melhores Escolas do Carnaval. Já as que estão penduradas no viaduto ou espalhadas pelas ruelas do entorno devem se recordar dos gatos-pingados que passam por ali cantarolando marchinhas de antigos carnavais, com o patrono Ivo Meireles à frente. É o Bloco do Galeto!

A concentração do bloco fica na Benedito Hipólito, na calçada de acesso à Praça da Alimentação, bem atrás do primeiro recuo de bateria. É ali que funciona a barraca do Galeteiro, com a sua vistosa tevê de cachorro (uma máqina de assar frangos de última geração). 

O Galeteiro, por sua vez, galgou à honra de ser um dos destaques do carnaval periférico – e não é à toa que se veste todo de branco, usa máscara cirúrgica e luvas de silicone para tratar dos drumetes e peitinhos grelhados  na poeira. Foi contemplado, inclusive, com uma ligação oficial da rede pública de energia, que abastece gratuitamente a barraca mais charmosa do pedaço.

Mas, foi justamente na noite de sua aclamação, quando o Bloco o carregaria em triunfo, saudando-o como a grande personalidade do Carnaval 2009, que aconteceu o inesperado.

O Bloco já estava formado, com a bateria aquecida e componentes devidamente inflamados, quando três homens de coletes pretos e letras amarelas chegaram na barraca dando uma carteirada:

- Tá preso! – e, diante de olhares incrédulos, levaram o Galeteiro com máscara cirúrgica, luvas de silicone e o bisturi de destrinchar franguinhos.

(Continua amanhã)


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quarta-feira, março 18, 2009

O rosto da Mãe Terra


O barracão guarda histórias fantásticas, mais impactantes até do que as alegorias que provocam arrepios na platéia.

Por estar colaborando com a Portela em seus últimos carnavais, me aproximei desses anônimos que ajudam a construir a beleza dessa festa. E, consequentemente, de sua vida pessoal. Assim, as histórias surgem naturalmente, contadas no intervalo do café, em reuniões, e até mesmo em desabafos.  

Um desses artistas anônimos chama-se Glinston Dias de Paiva, escultor em isopor, que me autorizou a contar a história que passo a narrar.

Glinston viveu um grande drama durante a confecção do enredo “Reconstruindo a Natureza, Recriando a Vida: O sonho vira realidade”, apresentado no Carnaval 2008. Sua filhinha, Maria Clara, nascera com sérios problemas de saúde e sobreviveu durante seis meses na encubadora. Morreu sem conhecer os afagos da mãe e a voz do pai.

O escultor ia à maternidade diariamente para ter notícias da criança. Sua maior preocupação, no entanto, era com a mulher, arrasada pelo sofrimento. 

Pouco depois da morte da criança, Glinston recebeu a incumbência de produzir uma escultura que seria colocada no fundo do carro da Transformação, aquele dos bebês e das flores (foto da capa de Ensaio Geral no 22). E, ali, fez a sua singela homenagem (vista no detalhe da foto de Henrique Matos, acima). A Mãe Terra  - que simbolizava uma grávida acariciando o ventre - foi esculpida com o rosto de sua mulher. A imagem representava o amor pela filhinha que não vingou.

No último carnaval, Glinston esculpiu as grávidas que vinham no carro da África, amamentando os filhos de seu predador: o branco.


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terça-feira, março 17, 2009

Sérgio fala sobre centenário de Noel

Se confirmado o desejo do carnavalesco Alex de Souza, a Vila dedicará o seu próximo desfile ao centenário de Noel Rosa, conforme anunciado ainda na Avenida. Uma excelente oportunidade para conhecer um pouco sobre a vida do filho mais ilustre do bairro será ouvir a palestra do jornalista Sérgio Cabral, no próximo dia 25 (quarta-feira), às 14 horas, no Teatro Noel Rosa, no campus da Uerj, Rua São Francisco Xavier, 524, Maracanã.

Sérgio conhece a biografia de Noel como poucos e, certamente, dará mais um show, revelando curiosidades garimpadas em suas pesquisas. O ingresso é gratuito. Mais informações nos telefones 2587-7121 e 2587-7236; ou então, no site da Universidade Aberta da Terceira Idade: http://www.unati.uerj.br

 

segunda-feira, março 16, 2009

As empadinhas do Gibi

Passo pela calçada da Rua do Riachuelo e encontro o antigo depósito de artigos de carnaval fechado. As portas foram cerradas desde a morte de Gibi, em agosto do ano pasado.

De vez em quando, antes de ir para o jornal – a 150 m dali -, parava para ouvir as histórias do ex-compositor da Mocidade e da Imperatriz. Walter Pereira, o Gibi, foi autor de “Ziriguidum 2001” entre outros sambas-enredos que deixaram saudades. A minha história favorita era a das empadinhas e não me cansava de ouví-la.

Gibi estava concorrendo à disputa de sambas em Padre Miguel. Na noite da finalíssima, para surpresa dos próprios parceiros, Gibi mandara distribuir centenas de empadinhas de queijo na quadra, quentinhas, saidinhas do forno. O cheirinho gostoso tomou conta do ambiente e logo a torcida do samba rival fez a farra - o que deixou os parceiros de Gibi irritados.

- Qualé, Gibi, tratando o "inimigo" com empadinhas?! 

Gibi fez uma cara debochada, piscou o olho e respondeu:

- Quero ver eles cantarem o samba com a boca cheia de empada.

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domingo, março 15, 2009

E os orixás, para onde vão?

Salgueiro: muita seriedade em cada instrumento para louvar o toque do tambor (foto Henrique Matos - Ensaio Técnico em 08/02/09)

Sou do tempo em que se falava a respeito – e com muito respeito – dos ritmos característicos das baterias. Segundo os antigos cronistas, cada bateria possuía um toque específico, saudando o orixá que as regia.

Se é lenda, não sei. Jamais me aprofundei no assunto. Sempre observei, porém, os gongás disfarçados de altares que abrigavam imagens e tradições do sincretismo religioso que vem lá de trás, quando os negros fingiam louvar as santidades brancas para driblar a opressão e exaltar os deuses africanos.

As Escolas de Samba mais antigas guardam os seus santinhos e comemoram as suas datas. E, geralmente, essas imagens ficam expostas no espaço destinado aos ritmistas. Por esse motivo, sempre acreditei na veracidade do elo religioso das histórias contadas por Waldinar Ranulpho, José Carlos Rego e Sérgio Cabral – os primeiros a definir a identidade de cada bateria.

Se fosse retomar esse estudo, hoje, certamente começaria pela bateria da Beija-Flor. O ritmo pesado e constante comandado por mestres Paulinho Botelho e Plínio leva a crer que existe um motivo mais forte para evitar firulas e paradinhas desnecessárias. E Laíla, envolto num mar de guias, com toda a certeza há de explicar o motivo.

Aproveitando os ventos soprados pela vitória do tambor, trago o argumento à tona. Acho importante refletirmos sobre os riscos de uma descaracterização completa desses ritmos, hoje impulsionados pela velocidade do andamento do samba-enredo; pela necessidade de apresentar variantes “ousadas” e “criativas”, cobradas pela análise dos julgadores; e pelo constante troca-troca de diretores.

Acho praticamente impossível um mestre dirigir uma nova bateria sem trazer para esta ritmos, desenhos e convenções daquela que estava comandando. Afinal, se ele tem participação nessas performances, achará muito justo continuar desenvolvendo suas criações. É nesse ponto que as antigas características se misturam, as baterias perdem a sua originalidade e nem os orixás saberão mais para onde vão.

O espetáculo precisa evoluir. Mas para isso não é necessário que as Escolas percam a sua idendidade. Principalmente a da bateria, traço fundamental na estrutura de seu DNA.

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quarta-feira, março 11, 2009

Vivendo o enredo dentro de casa

Um dos principais objetivos do enredo “E por falar em Amor, onde anda você?” era chamar a atenção das pessoas para o isolamento em que nos encontramos, apesar de todas as facilidades de comunicação que a tecnologia oferece.

Era a tecla que Marta Queiroz, mentora do enredo da Portela, mais batia desde as primeiras trocas de ideias e opiniões para a construção do roteiro.

Um dia, conversávamos sobre o assunto com o carnavalesco Lane Santana, e ele nos trouxe esta saborosa observação:

- Sei muito bem o que é isso. Lá em casa, não é muito diferente de outros lares. Quando chego, encontro um filho no quarto, jogando videogame; o outro está no computador; minha mulher, na sala, vendo TV. – comentava Lane, prosseguindo:- Mas, outro dia, aconteceu uma coisa muito interessante. No meio de um temporal, faltou energia. E, sem outra opção, todos vieram para sala, conversar à luz de velas. Lembramos de fatos gostosos, demos boas gargalhadas. De repente, por causa de um acidente, a família estava toda reunida.

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terça-feira, março 10, 2009

O Samba Carioca em revista

Curiosidade: o único título representado (a estrelinha antes de E.S., na barra diagonal) é referente ao primeiro campeonato, no Grupo 3, em 1961

É farta a leitura no balcão da Sala de Imprensa do Sambódromo. Além das tradicionais Ensaio Geral, Liesa News – informativos oficiais da Liesa – e Rio, Samba e Carnaval, o leitor terá informação bastante para preencher o vazio das próximas semanas. Pelo menos oito agremiações do Grupo Especial, uma do Grupo A, além da Lesga e da Associação das Escolas Mirins lançaram revistas no Carnaval.

Consegui reunir exemplares da Imperatriz, Portela, Mocidade, Beija-Flor, Salgueiro, Império Serrano e Unidos da Tijuca. A da Vila já havia esgotado quando cheguei. Estranhei a ausência da tradicional Revista da Mangueira. Do Grupo de Acesso , recebi a da Rocinha – muito bem feita, por sinal.

De quando em quando, tentarei destacar assuntos interessantes focalizados por essas publicações tão importantes e de vida tão efêmera – circulam, exatamente, no momento em que os leitores não têm tempo para se deleitar com o conteúdo.

Começo pela revista da Imperatriz, pág. 46: “O Pavilhão Leopoldinense”. Matéria assinada por Marcelo de Mello ensina que, diferente de outras Escolas, que possuem símbolos, “a Imperatriz tem heráldica. A arte dos brasões da nobreza tem tudo a ver com Ramos: a coroa, o dourado, o nome da agremiação e enredos históricos, que lembram reis, rainhas e imperadores”.

Um infográfico detalha o significado das 12 estrelas que ornamentam a bandeira Verde-e-Branca, comumente confundidas com os títulos conquistados. A maior delas, sobre a coroa, representa a estação de Ramos, onde a Escola tem a sua sede. Dez outras, arrumadas geograficamente na parte inferior, simbolizam as demais estações do ramal leopoldinense: Triagem, Manguinhos, Bonsucesso, Olaria, Penha, Penha Circular, Brás de Pina, Cordovil, Parada de Lucas e Vigário Geral.

A 12a, situada na faixa diagonal verde, à direita da coroa, é uma referência ao primeiro campeonato conseguido pela Escola, em 1961, quando ainda integrava o extinto Grupo 3.

Segundo Valter Lopes de Carvalho, responsável pela publicação, esta e outras matérias da resvista serão disponibilizadas, brevemente, no site da Imperatriz: http://www.imperatrizleopoldinense.com.br

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2010 - O ano que já começou

Segunda-feira, 9 de março, 16h30. Passo pelo Sambódromo e sinto saudades dos desfiles que terminaram outro dia. Camarotes e HCs estão sendo desmontados. Estamos no 13o dia da Quaresma – período que os romanos criaram para fixar um hiato entre a “festa da carne” e a Páscoa. Enquanto o olhar passeia até o Arco da Apoteose, um pensamento vagueia: “Tão cedo não falaremos de Carnaval…”

Agora, são 19h30. Na Recepção da Liesa, a secretária atende a mais um telefonema. Explica que ainda não há uma data prevista para a reserva de camarotes. Estranho:

- Já estão querendo comprar ingressos para 2010?!

Ela sorri e responde, já acostumada:

- Deve ser o quarto ou quinto que pergunta hoje. Isso é todo dia.

domingo, março 08, 2009

A Dança do Samba

O atacante aplica um drible desconcertante no zagueiro, que cai sentado na entrada da área. Avança, tira o goleiro da jogada com um incrível drible de corpo. A torcida fica de pé, pronta para festejar o gol de placa. Mas, surpreendentemente, o atacante faz três enbaixadinhas, curva-se e encaixa a bola na nuca. Em seguida, pega a redonda com as  mãos e a arremessa para dentro do gol. O juiz, então, apita, marcando o toque, e anula tudo.

Pergunto: O que essa jogada inisitada tem a ver com o samba?

Respondo objetivamente: Mostra o excesso de preocupação com a “evolução” do espetáculo em detrimento de sua essência.

Tentarei explicar melhor. Se não me engano, a invasão da arte circense no samba começou com a comissão de frente formada pelas rãs da Intrépida Troupe, que inaugurava a Apoteose Brasileira (Villa-Lobos) da Mocidade, em 1999. Desde então, diversas agremiações têm recorrido a números circenses para dar maior dinâmica a setores estratégicos do desfile, notadamente às alegorias.

Nada contra. Creio que tanto o samba como a arte circense descendem do talento nato e, portanto, sempre encontrarão pontos comuns para caminharem juntos. Isso é louvável porque incentiva as Escolas a descobrirem novos valores nas suas comunidades. Não faz muito tempo, a Porto da Pedra chegou a manter uma escolinha de circo para os jovens de São Gonçalo, lembram-se?

O que me preocupa é o excessivo apoio aos artistas do circo, em detrimento dos artistas do samba. Acróbatas e malabaristas arrancam aplausos; passistas, no entanto, levam o público ao delírio.

Aos acróbatas e malabaristas reserva-se o nobre espaço da comissão de frente e das alegorias; aos passistas é atribuída a responsabilidade de preencher os buracos que se formam atrás da bateria e o que abre quando os ritmistas se recolhem no segundo boxe. Será que não existem outros espaços mais nobres além desses?

Temo que, dentro de pouco tempo, nossos jovens tenham mais estímulo em fazer malabarismos e acrobacias do que em desenvolver a arte que carregam nos pés. E, então, veremos nossos craques na cara do gol, tentando, bisonhamente, fazer gols com as mãos.

 ET - Se você tem curiosidade sobre o assunto, procure nos sebos ”A Dança do Samba”, de José Carlos Rego, que entrevistou e documentou técnicas das principais estrelas do período glorioso do tão falado ”samba no pé”. É leitura obrigatória para pesquisadores e apaixonados. Veja também a reportagem de capa da revista Domingo, de O Globo, deste domingo (08/03/09), com a corógrafa Débora Colker. Ela assina a direção do próximo espetáculo do Cirque du Soleil e revela que está ensinando malabaristas a dançar.

sexta-feira, março 06, 2009

A incrível aventura do Rei Arthur e os cavaleiros da Távola Redonda

Observem o pé direito de Thiago, o Rei Arthur, apoiado na estrutura de ferro, evitando tocar no acrílico (Foto Henrique Matos)


A melhor comissão de frente de 2009 foi a da Portela. Foi a que construiu a melhor coreografia integrada ao enredo e a que teve de superar os maiores graus de dificuldade. 

Nossas opiniões podem divergir. Mas, depois da história que vou contar, acredito que vocês também concordem. É um episódio que passa a fazer parte do acervo do fascinante mundo da Concentração, onde tragédias e glórias nascem do inesperado.

Tudo começou por volta de 18h30 de Segunda-Feira de Carnaval, com um telefonema vindo da Concentração. A Távola Redonda que seria usada pelo Rei Arthur e os Cavaleiros da comissão de frente sofrera um acidente no transporte para a Avenida.

Na queda, a chapa de acrílico vermelho que revestia todo o tampo, partiu. Havia rachaduras na maioria das doze divisões, onde os cavaleiros encaixariam seus escudos durante a performance. E o pior: uma das partes mais afetadas fora o centro do tampo, onde o Rei subiria para saudar o público e apresentar a Escola.

 

Pânico - O coreógrafo Jorge Texera (é sem o i mesmo) ainda se encontrava no barracão conferindo as fantasias que seriam enviadas para o hotel onde os dançarinos estavam concentrados. Com a ajuda de diretores, conseguiu localizar o cenógrafo Glauco Bernardi, que fizera a decoração da Távola (e é responsável pela criação das Águias dos quatro últimos carnavais). Os dois partiram para a Concentração com o objetivo de avaliar a gravidade dos danos.

Sem que houvesse tempo e material disponíveis para reconstruir o tampo quebrado, a única saída seria colá-lo, fixá-lo e esconder as rachaduras. A dúvida seria onde encontrar uma loja aberta àquela hora (passava das 19h30), em pleno Carnaval.

Enquanto o coreógrafo partiu para o hotel, a fim de explicar aos dançarinos o que estava acontecendo, o cenógrafo entrou no automóvel e foi tentar a sorte no comércio vizinho. Encontrou um hipermercado ainda aberto, a poucos metros da quadra do Salgueiro, já no Andaraí. Lá, comprou caixas de durepóxi e uma fita adesiva bastante usada em reparos de pranchas de surf, a silverpape.

O tampo da mesa (que também servia de fundo para o trono reversível) foi todo restaurado com durepóxi e silverpape. As rachaduras foram disfarçadas com galões dourados, que passaram a servir de adornos. A expectativa agora seria com a resistência da chapa, sobre a qual o Rei era colocado no ápice da coreografia. Se o bailarino Thiago Soares pisasse fora da estrutura de ferro da parte central, certamente afundaria com o acrílico partido em plena Avenida.

A questão era tão grave que chegou a se cogitar a possibilidade de abandonar a Távola Redonda. Os riscos, porém, seriam muito maiores, pois ela era a base de toda a coreografia.

 

Emoções - Os reparos da mesa ficaram prontos por volta de 23 h – menos de duas horas antes da Portela iniciar o seu desfile. Durante todo esse tempo, Jorge e os cavaleiros ensaiaram a colocação de Thiago no centro da Távola, para que o bailarino fixasse o local exato onde deveria pisar e distribuir os seus 76 kg. Tudo com muito cuidado, pois a cola ainda estava sem a consistência necessária.

Nos últimos quatro desfiles, foi a primeira vez que Glauco nem teve tempo de olhar a sua Águia. Tenso, caminhava ao lado da comissão de frente, torcendo para que a mesa resistisse. Texera não estava menos nervoso. Mas, depois da exibição diante do Módulo 1 teve a certeza de que nada aconteceria.

O salto de Thiago para o centro do tampo foi repetido inúmeras vezes ao longo do desfile. Com a habilidade e o talento que o elevaram à posição de 1o Bailarino do Royal Ballet de Londres, seus movimentos foram sempre perfeitos e seguros. 

Agora descontraído e orgulhoso pelas três notas 10 e um 9,9 conseguidos, Texera dá um sorriso e revela:

- No Sábado das Campeãs foi pior ainda. A cola e a fita cederam. O tampo estava solto, praticamente. Mas o Thiago já estava tão treinado de onde deveria pisar, que já faria isso até de olhos vendados. 

Copyright Cláudio Vieira – 2009

Proibida a reprodução – no todo ou em parte do texto – sem a autorização do autor.


quinta-feira, março 05, 2009

Considerações sobre a postagem de comentários

Alguns visitantes deste blog têm estranhado a demora para a publicação de seus comentários. É fácil explicar: temos observado em outros blogs de carnaval a quantidade de postagens ofensivas, movidas por uma paixão que já não se vê mais nem nas arquibancadas do Sambódromo. São ofensas, ataques pessoais e desabafos que fogem completamente do espírito que pretendemos instalar neste centro de cordialidade e troca de opiniões.

Ontem, por exemplo. Ao comentar sobre o que aconteceu ao Império Serrano, tentava responder à indagação de um visitante, que estranhava o silêncio da imprensa sobre o assunto. Pois bem, foi o suficiente para ser taxado de “covarde” e  “conivente com a injustiça” como escreveu outro leitor. Perdoem-me, mas em Samba Online não há espaço para agressões e acusações – seja contra quem for.

Por essas e outras achamos prudente filtrar os comentários, tentando assim garantir a qualidade do conteúdo e o alto nível do debate.

Por outro lado, agradecemos o carinho e palavras elogiosas de diversos visitantes, entre eles o companheiro Luiz Eduardo Rezende, com quem tive a honra de trabalhar em O Dia e assinar a cobertura de diversos desfiles. Rezende integra o quadro de julgadores da Liesa há muitos anos e, sem a menor sombra de dúvida, é um dos mais capacitados do elenco. Seu conhecimento, sua honestidade e isenção me permitem afirmar que é craque e joga nos dez (quesitos).

De longe, fiquei feliz ao vê-lo descer para a pista de desfile no Sábado das Campeãs. Era um anônimo na multidão. Foi para o asfalto sentir um pouco da emoção que a distância da cabine e a seriedade do momento o impedem de desfrutar ao longo dos desfiles oficiais. É gratificante saber que além da competência que carregam na bagagem, existem julgadores que não abrem mão do amor que sentem pelo espetáculo.

Em seguida, de bochechas coradas, publico o email enviado pelo amigo:

"Cláudio, li hoje pela primeira vez o Samba On Line. Tentei anexar um comentário falando sobre a importância para o carnaval e para a cidade de termos alguém com o seu conhecimento, a sua honestidade, a sua sensatez comentando os preparativos e os desfiles das escolas de samba. Infelizmente, não consegui, acredito que por algum problema técnico. Mas se você quiser ou achar de alguma valia publicar essa minha opinião, fique à vontade.

Não vejo, no jornalismo brasileiro, ninguém com a sua capacidade para opinar sobre o desfile, incluindo aí critérios de julgamento, justiça ou injustiça em resultados e perspectivas para o futuro do nosso espetáculo maior.

Parabéns pelo blog - o texto excelente é marca registrada - e receba um abraço do velho amigo e sempre leitor."

Luiz Eduardo Rezende 

quarta-feira, março 04, 2009

Aprendendo com as dificuldades

Um visitante de Samba Online indaga: Gostaria de saber o motivo de a imprensa não ter saído em defesa do Império Serrano, já que todos falavam da permanência no Grupo Especial, inclusive torcedores de quase todas as outras agremiações. Foram três Estandartes de Ouro!”

É uma questão complexa para ser respondida. E partirei sempre do princípio de que é muito cômodo emitir comentários sobre o julgamento oficial sem levar em consideração de que ele é feito de quatro pontos diferentes, por pessoas diferentes, que analisam tecnicamente o mesmo assunto. Já o nosso ponto de observação é único e estamos analisando tudo, ao mesmo tempo. E quase sempre no calor da paixão. Deu para entender a diferença?

Também acho que o Império não merecia descer e aproveito a oportunidade para parabenizar o trabalho de Márcia Lávia e equipe. A suavidade de cores e formas tornaram o desfile bastante agradável de se ver. O Império ficou bem mais “leve”. E bonito.

Prefiro analisar a estratégia de reeditar um samba de sucesso e a reconstrução de um enredo lançado originalmente em 1976. Após enfrentar as agruras do Grupo de Acesso e sem obter patrocínio, a direção da Escola acreditava que o bônus oferecido pela reedição do samba ajudaria nas despesas de barracão; e que a qualidade do samba, além de garantir a nota máxima no quesito, sustentaria a  harmonia, a evolução e a bateria – o que, praticamente, consolidaria a permanência da Serrinha na elite do samba carioca.

O resultado, no entanto, foi diferente do esperado. O samba conseguiu as notas máximas, mas os quesitos de suporte não; nem os outros, que, infelizmente, receberam notas menores ainda. O projeto imperiano ruiu – e não discutirei aqui se foi justo ou não. Atenho-me apenas aos fatos.

Também não comentarei sobre a concessão de prêmios, pois mais valioso que o reconhecimento do público outro de tamanha legitimidade não haverá.

Ao Império Serrano ficará a certeza de que a renovação de lideranças e atitudes foi extremamente salutar; e de que outros obstáculos surgirão, mas será com a experiência extraída das dificuldades que a Escola reconstruirá a sua grandeza. Bola pra frente.

terça-feira, março 03, 2009

O Cordão das Personalidades

As Escolas de Samba ainda não conseguiram resolver o difícil problema de colocação de personalidades na Avenida.

São empresários e políticos que ajudam nos projetos sociais; artistas e atletas que geram espaços na mídia; figuras de projeção na comunidade e outros mais, acompanhados de parentes que torcem pela Escola desde criancinhas.

São sambeiros como eu, que não levam o menor jeito para usar uma fantasia, muito menos desfilar no alto de uma alegoria. E todos, sem exceção, fazem questão de estar ali, participando do esforço comum. E, a cada ano, surgem em maior número em todas - ou quase todas - as agremiações dos Grupos Especial e de Acesso A.

São aqueles desajeitados que usam roupas de diretores, poluindo a entrada e as laterais do desfile, além de formar o cordão de encerramento. Somados são centenas, formando um bloco equivalente a duas, três ou quatro alas!

Nesse ano, muitos foram barrados pelo pelotão de seguranças da pista, que os empurrava para a frente, evitando que atrapalhassem a evolução das comissões de frente e de casais de mestres-salas e porta-bandeiras.

Assisti  a cenas de indignação, de figurões que se sentiram usados ao longo do ano e na hora do desfile foram descartados. Vários protestaram e não deixam de ter a sua razão; as Escolas, por sua vez, também não podem se descuidar, pois os julgadores tem-se mostrado atentos aos menores deslizes.

É uma das questões mais delicadas a serem debatidas interna e externamente, em plenário, até o próximo Carnaval. Os vídeos mostrarão o problema numa escala muito maior do que nossos olhos conseguem perceber durante os desfiles.

Não creio, porém, que as recomendações feitas pelo Regulamento (Art. 27, item XIII: desfilar com o máximo de 250 componentes de Diretoria e apoios, com exceção dos empurradores de alegorias) consigam resolver a questão - que se consolida como um grande desafio à inteligência e ao bom-senso dos dirigentes. E, por que não dizer, à compreensão das próprias personalidades.

segunda-feira, março 02, 2009

A hora é essa

Foto: Henrique Matos


Duas funcionárias da empresa responsável pela limpeza e manutenção dos camarotes conversavam, na segunda-feira, no intervalo entre duas Escolas.

- Puxa, como eu rezei pra não chover esse ano! – dizia uma delas, contemplando a noite majestosa.

- Eu também.  – respondeu a outra, justificando: - É muito trabalho para ser desperdiçado por causa de uma chuva.

De antena ligada no papo, suspirei, feliz, ao ver que o povo ainda tem um carinho especial pela festa. E fiquei meditando, com ares futuristas:  já não seria a hora de se pensar na construção de um teto retrátil para o Sambódromo? 

Deu África novamente

Salgueiro 2009, Comissão de Frente - Foto: Ricardo Almeida


Sempre foi gratificante conversar com Renato Lage. A amizade que nos une  permitiria que os assuntos fossem mais variados. O tema, porém, é sempre carnaval – e acredito que, tão cedo, não seja outro.

Por diversas vezes, Renato comentou que evitava fazer enredos sobre a África. Achava que o tema estava esgotado. Basta fazer um flash-back em sua trajetória e constatar que jamais abordou o assunto por onde tenha passado: Unidos da Tijuca, Caprichosos de Pilares, Império Serrano, Mocidade Independente e no próprio Salgueiro.

Imagino como deve ter sido difícil enfrentar a pressão salgueirense e a tradição de ser a Escola de Samba que trouxe a África para a Avenida e, por que não dizer, para os livros escolares também.

Pois bem. Nos últimos três anos esta foi a segunda vez que Renato dedicou um enredo à África (apesar de outros rumos que o tambor tenha tomado). Em 2007, sabe-se lá o que aconteceu para Candaces ficar em sétimo lugar; e agora a vitória consagradora com Tambor.

Ainda não sei o que o resultado possa ter contribuído para as reflexões do carnavalesco. No entanto, uma coisa ficou provada: o seu talento e os mananciais africanos são inesgotáveis.