Sou do tempo em que se falava a respeito – e com muito respeito – dos ritmos característicos das baterias. Segundo os antigos cronistas, cada bateria possuía um toque específico, saudando o orixá que as regia.
Se é lenda, não sei. Jamais me aprofundei no assunto. Sempre observei, porém, os gongás disfarçados de altares que abrigavam imagens e tradições do sincretismo religioso que vem lá de trás, quando os negros fingiam louvar as santidades brancas para driblar a opressão e exaltar os deuses africanos.
As Escolas de Samba mais antigas guardam os seus santinhos e comemoram as suas datas. E, geralmente, essas imagens ficam expostas no espaço destinado aos ritmistas. Por esse motivo, sempre acreditei na veracidade do elo religioso das histórias contadas por Waldinar Ranulpho, José Carlos Rego e Sérgio Cabral – os primeiros a definir a identidade de cada bateria.
Se fosse retomar esse estudo, hoje, certamente começaria pela bateria da Beija-Flor. O ritmo pesado e constante comandado por mestres Paulinho Botelho e Plínio leva a crer que existe um motivo mais forte para evitar firulas e paradinhas desnecessárias. E Laíla, envolto num mar de guias, com toda a certeza há de explicar o motivo.
Aproveitando os ventos soprados pela vitória do tambor, trago o argumento à tona. Acho importante refletirmos sobre os riscos de uma descaracterização completa desses ritmos, hoje impulsionados pela velocidade do andamento do samba-enredo; pela necessidade de apresentar variantes “ousadas” e “criativas”, cobradas pela análise dos julgadores; e pelo constante troca-troca de diretores.
Acho praticamente impossível um mestre dirigir uma nova bateria sem trazer para esta ritmos, desenhos e convenções daquela que estava comandando. Afinal, se ele tem participação nessas performances, achará muito justo continuar desenvolvendo suas criações. É nesse ponto que as antigas características se misturam, as baterias perdem a sua originalidade e nem os orixás saberão mais para onde vão.
O espetáculo precisa evoluir. Mas para isso não é necessário que as Escolas percam a sua idendidade. Principalmente a da bateria, traço fundamental na estrutura de seu DNA.
Copyright Cláudio Vieira – 2009
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Um comentário:
infelizmente o julgamento do carnaval hoje em dia não leva em conta a tradição das agremiações, uma pena mesmo. Não que ache errado a criatividade das baterias hoje em dia, acho otimo, todas elas dão um espetaculo mesmo sem receber todas as notas 10. Mas no caso de algumas, como a da Mangueira por exemplo, o manual do julgador de bateria passa a ser até um inimigo, pois a bateria da Mangueira, tem ou tinha a tradição de passar "reta" pela avenida, mas o julgamento pune a bateria que passa "reta" dizendo que falta criatividade. Acho que o fato de ter que ser "criativa" prejudica uma bateria como a Mangueira mais do que ajuda.
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